O Problema da Excepção Cultural nos Tribunais

Por *Hercus Pereira dos Santos


Há quem diga que a cultura como um todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.
Podemos concordar ao dizer que a cultura é uma invenção humana estabelecida dentro da sociedade. O ser humano vive do dia-a-dia segundo a sua cultura que está dentro da sociedade. O Problema existe quando essa cultura, em certos momentos e noutras realidades ou sociedades, vista como uma acção criminosa que violam o sistema jurídico do país e em relação com os imigrantes possam entrar em conflicto com o sitema jurídico do país de acolhimento. Ou seja um acto cultural dos imigrantes, as vezes, viola as leis que estão em vigor na sociedade onde essas pessoas vivem. Alguns indivíduos já foram levados para o Tribunal do país de acolhimento por causa dessa diferença interpretação. Existe mesmo uma diferença interpretação entre o praticante do acto cultural das pessoas imigrantes com as leis do país de acolhimento.
Para resolver esse problema, pensamos que o sistema jurídico estadual deve reconhecer a influência da imperatividade cultural como parte da justiça individualizada. Considerar o motivo cultural pessoal do indivíduo é essencial na medida em que a justiça individualizada como parte do sistema jurídico enquanto a diferença cultural é apenas um outro factor para analisar no contexto a aplicação da punição condigna.
Podemos partilhar a ideia de que os princípios bem estabelecidos do direito apoiam o uso da defesa cultural. Esses princípios incluem o direito de um julgamento justo, (fair trial), liberdade religiosa e a igualdade na protecção da lei, entre outros princípios, do Estado de Direito como parte da doutrina do mundo oscidental. Enquanto os indivíduos provenientes de outras sociedades que estão ligados a esses direitos então cabe aos autores jurídicos para tomar em conta a diferença cultural.
Um outro princípio normativo de apoio para a defesa cultural. Sob o Direito Internacional dos Direitos Humanos, quase todos os estados têm o dever para proteger os direitos à Cultura. Os direitos à Cultura se encontram em vários instrumentos internacionais e o mais importante no Artigo 27 do Pacto Internacional sobre o Direitos Civil e Político (International Covenant on Civil and Political Rights):
Nos Estados em que existam minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não devem ser privadas do direito de ter, em comum com os outros membros do seu grupo, a sua própria vida cultural, de professar e de praticar a sua própria religião ou de empregar a sua própria língua.
O Comité dos Direitos Humanos tem interpretado o direito de envolvimento como uma obrigação por parte dos Estados para tomar medidas afirmativas para proteger o Direito à Cultura. Isso para que, pelo menos, os indivíduos que emigram para outros países têm oportunidade para dizer no Tribunal os motivos dos seus actos que violam aparentemente as leis esses novos países. Interpretando assim, o direito à Cultura deve autorizar o uso da defesa cultural. Então a vantagem principal da defesa cultural reconhecida oficialmente pelo Estado é assegurar a consideração das evidências culturais no Tribunal.
No âmbito da defesa cultural há um crescimento dos casos dos conflictos culturais e que merecem ter maior atenção. Se os Tribunais estão autorizados para avaliar as evidências em relação com as tradições culturais dos grupos étnicos e dos povos indígenas, não deve haver dúvidas para os juízes para que eles têm que verificar a autenticidade das alegações apresentadas. Porque um acto pode ser visto como crime do ponto de vista das leis que estão em vigor ( porque as leis em si normalmente são criadas segundo o padrão político, cultural, religiosidade e social do grupo dominante) mas em certos casos, os actos das pessoas são feitos segundo o padrão cultural da sua cultura, da sua comunidade ou do seu país de origem ( quando eles imigram e tornam como essas pessoas minoritárias da sua nova “pátria”).
O que nós vimos desses conflictos culturais é que existe realmente uma percepção diferente dos determinados actos culturais nas diferentes comunidades. Para uma comunidade, um determinado acto é normal, aceitável, mas para outra, esse mesmo acto visto de uma maneira totalmente diferente; visto como um acto de crime; violação dos Direitos Humanos ou abuso sexual do menor por exemplo. Um indivíduo que está nessa situação (faz um acto cultural mas visto como um acto de crime) e quando o caso foi julgado num tribunal então normalmente esse indivíduo pede para que o Tribunal considera o significado cultural como factor importante, como uma imperatividade cultural, no processo da tomada da decisão. Ou seja o factor cultural torna como uma razão para a legitimação dos seus actos.
Para que esse indivíduo possa convencer o Tribunal e dar maior peso da sua crença ou do seu costume, o individuo, muitas vezes, apresenta no Tribunal um testemunho (normalmente um perito, um líder importante da cultura ou da religião) para que esse testemunho possa dar melhor e credível explicação tendo em consideração a sua importância dentro da comunidade e o seu conhecimento profundo do assunto em questão.
As vezes o Tribunal não dá importância e recusa os aspectos culturais de um determinado acto. Porque se pensa que a informação cultural é irrelevante. Esta recusa pelos tribunais de considerar a informação cultural conduz muitas vezes a denegar da justiça no caso concreto. Estamos convictamente contra essa ideia de que a informação cultural é irrelevante. Visto que uma melhor compreensão de um determinado acto e da justiça em concreto, só pode ser feita baseando no motivo que fica por trás do acto praticado e que m motivo pode ser um motivo cultural. Pensamos que não se pode dar medicamento correcto para um paciente enquanto ainda não faz uma melhor diagnose adequada. Por isso pensamos que em qualquer julgamento no Tribunal deve incluir também uma consideração razoável da cultura do indivíduo.
Se um julgamento de um indivíduo imigrante num país de acolhimento deve verificar também (em colaboração com autoridade competente) sobre o motivo cultural de um determinado acto que viola as leis do país de acolhimento deve ser tratada com maior atenção e cuidado para que o Tribunal por um lado, não penaliza as pessoas que não tem intenção de cometer um crime ao passo que o acto em si é apenas uma manifestação cultural ou de costume (de carinho por exemplo) e por outro lado o Tribunal não vai cair no engano que as pessoas podem fazer. Essa verificação do Tribunal deve ser sempre em colaboração com autoridade do país de origem do indivíduo. Além disso, deve ter em atenção também a relação do individuo com autoridade do país de origem. Deve verificar se o individuo é perseguido no seu país de origem ou não ou se existe alguma competição com algumas pessoas importantes que podem influenciar uma aquisição certa da informação credível ou não. Deve haver uma informação o mais completa possível (do lado autoridade oficial do Estado e também do lado da autoridade local comunitária, da comunidade religiosa, da organização não governamental e agencia dos Direitos Humanos) para que uma decisão que o Tribunal vai decidir é uma decisão certa. Porque o que se trata aqui é a vida do indivíduo. Uma decisão errada perturba a vida das pessoas. A pena funciona como uma reparação de um acto verdadeiramente crime que viola verdadeiramente as leis e assim essa penalização se espera (todos esperam) para dar autoridade para as leis. Por isso, uma decisão do Tribunal que tem por base todas as questões da cultura e da religião que se asseguram durante todo o processo de julgamento, pode ser uma decisão certa.
O que existe no problema dos emigrantes com as leis (ou as comunidades em geral) no país de acolhimento pode ser considerado como uma situação que existe realmente um choque cultural (culture shock). Porque há duas, no mínimo, culturas que estão em conflicto. As vezes as pessoas têm consciência do seu acto como um acto de violação das certas normas ou leis. Mas quando elas estão perante uma situação em que pôr em questão uma doutrina rígida da sua comunidade, essas pessoas presumimos nos, que a morte também elas não têm medo.
Nesse âmbito, aculturação é um processo normal e importante que é preciso passar na vida dos indivíduos (ou de uma comunidade) que se integra numa outra realidade cultural completamente distinta da sua origem. Um processo que precisa encarrar de uma forma sábia e inteligente sem prejudicar ou provocar uma crise da identidade cultural para os indivíduos em si ou para os seus descendentes. Para isso, é preciso uma mente aberta para ver as novas realidades culturais integrando assim os aspectos positivos dessa nova realidade cultural e adaptando o seu raiz cultural de uma forma adequada para que os seus comportamentos numa nova realidade cultural não devem provocar uma exclusão por parte da cultura dominante onde eles (ou comunidade) estão inserindo.
Aculturação condiciona a percepção que os indivíduos têm da realidade os seus comportamentos. Os seus comportamentos que devem estar, no mínimo, em harmonia com a nova realidade cultural. Sem isso pode haver uma rejeição automática da comunidade dominante e leva assim a exclusão desses indivíduos nessa nova sociedade onde eles se encontram. Muitas vezes, o problema não está nessa nova comunidade. As vezes o verdadeiro problema está nos indivíduos que ainda não têm capacidade de fazer uma boa integração na nova realidade cultural. Esses indivíduos ainda pensam que a nova realidade como se fossem a sua comunidade de origem. Vivem a vida como querem e tal igual como na sua comunidade de origem. É muito aceitável e todos nos concordamos que a cultura forma o comportamento das pessoas e também a maneira de pensar e de olhar para a vida. Mas pelo menos quando os indivíduos se encontram numa nova comunidade cultural devem respeitar a cultura dessa nova comunidade.
Os indivíduos que vão ficar numa outra comunidade, pelo menos, devem ter em mente que, a nova comunidade também tem os costumes como os seus e que devem ser, em primeiro lugar, respeitados para não criar um conflicto cultural e religioso e também para não cair numa acusação da discriminação racial, étnica ou religiosa. É um dever, segundo o nosso pensamento, para quem quer imigrar, respeitar a cultura local. Os nossos comportamentos devem estar em harmonia com os costumes da comunidade local. Ou pelo menos, o mais mínimo possível, o nosso comportamento não provoca uma tensão ou um conflicto com a nova cultura da comunidade local ou no país de acolhimento.
Por isso, pensamos que é de extrema importante, que as sociedades multiculturais ou multirreligiosas devem promover um diálogo intercultural, inter-religioso entre as comunidades de diferentes culturas e religiões como uma das formas na tentativa de fazer um bom processo de aculturação e feito assim pode prevenir também os estereótipos culturais que possam surgir. Essa aproximação de diálogo intercultural ou inter-religioso pode ser uma ponte ou uma ligação que transmite reciprocamente as informações das culturas ou dos costumes diferentes. Um ponto de encontro das culturas e da religião. Porque as vezes o problema existe também por falta de comunicação e de abertura de todas as partes.






Conclusão

Partilhamos muito a ideia de que os componentes culturais devem integrar na política pública do Estado. Estamos extremamente de acordo para que o Estado enquanto toma qualquer decisão pública tem sempre em consideração os aspectos culturais do povo e de qualquer comunidade minoritária. Porque as vezes um acto praticado por uma pessoa visto como crime nos olhos do Estado (segundo as leis estaduais) mas afinal o verdadeira motivo é um motivo puramente cultural ou religioso de um determinado povo por exemplo o toque do órgão genital da criança como o caso de Krasniqi de Albânia. Mas também esse motivo cultural ou religioso, como por exemplo no caso de mutilação feminina, não pode pôr em causa a dignidade da pessoa humana ou os Direitos Humanos que são bem assegurados em qualquer constituição dos países verdadeiramente democráticos que valorizam (pela ratificação) ou tem no seu ordenamento interno aplicação do Direito Internacional e assim incluindo também aqui o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Como em Timor-Leste onde valoriza e adopta a supremacia do Direito Internacional no seu ordenamento jurídico.
Por isso é extremamente importante de verificar bem (porque muitas vezes o caso é muito complicado e complexo) o verdadeiro motivo de um acto praticado. Mas qualquer acto praticado que já ultrapassa a integridade física da pessoa humana e que viola os Direitos Humanos deve ser punido segundo as leis que estão em vigor.
Num país multicultural, multireligioso ou multilinguístico (também como Timor-Leste) é de extrema importância que o Estado estabelece uma política (fazer uma lei por exemplo) para garantir que qualquer política pública que afecta a vida das pessoas é obrigatório haver sempre uma consulta adequada e razoável com os costumes, as doutrinas religiosas e deve assegurar também que vai haver uma melhor transmissão da política publica para o povo. Essa melhor transmissão pode incluir também a questão da língua. Para que o povo (ou a comunidade cultural ou religiosa ou também para a comunidade minoritária) qualquer pessoa pode ter uma melhor informação sobre qualquer política pública do Estado. Quebrar a barreira da língua entre o Estado e povo é fundamental como forma importante de participação do povo no processo de desenvolvimento.
Concretamente para o Tribunal, o estado deve assegurar uma consideração razoável das questões culturais e religiosas do indivíduo que está em julgamento. Pensamos também na questão de Timor-Leste onde o país além como um país multicultural e multireligioso também como um país multilinguístico então é de extrema importância, além da questão cultural e religiosa, também a questão da língua. Deve haver uma garantia do Estado (pois sempre através da lei) de que um indivíduo que está em julgamento tem direito de saber todas as informações em relação com o seu caso no julgamento e deve ser livre em expressar na língua que ele se expressa melhor e cabe ao Estado a obrigação de assegurar que o mecanismo da transferência da informação (por exemplo através da assistência de um bom tradutor) entre indivíduo com todas as partes que envolvem no julgamento (ou vice-versa) possa ser da melhor forma.
Por isso, defendemos extremamente a ideia da valorização dos aspectos culturais e religiosos (e também linguísticos num país multilinguístico como Timor-Leste) que não contrariem com qualquer ordem estadual e também o Direito Internacional na política pública do Estado incluindo no sistema judicial estadual.

Professor no Instituto São Joao de Brito. Um instituto superior dos jesuitas em Timor-Leste. Boa leitura!










Bibliografia

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