A tortura ou o tratamento desumano e degradante
Vista numa perspectiva da Protecção dos Direitos Humanos
- O Caso de Timor-Leste
Por
Hercus Pereira dos Santos*
I.
Introdução
Uma criança quando nasce, entra numa família,
numa comunidade e fica automaticamente entre os outros seres humanos. Em toda a
sua vida está ligada a outras pessoas. Precisa delas para poder viver
plenamente como um ser humano e, por conseguinte, os outros também vão, de
certeza, precisar dele na família e ou dentro da comunidade.
Sabemos que nós, como seres humanos, ficamos
a precisar um dos outros para nos podermos realizar em plenitude como seres
humanos. Porque ninguém pode viver no mundo sozinho. O homem, por natureza, é
um ser social ou um animal social segundo a linguagem utilizada por
Aristóteles. Ele disse que a união entre os homens é natural e a cidade, como
espaço de cidadania, é uma criação natural. Diz ele que toda a cidade existe
por natureza. Formada a princípio para preservar a vida, a cidade subsiste para
assegurar uma vida boa, uma vida feliz quanto possível.
Podemos com isso deduzir que, baseando-nos
nessa necessidade de comunicação de uns com os outros para se conseguir uma
vida mais feliz, os seres humanos agrupam-se para viverem em comunidade. Já
Aristóteles dizia que toda a cidade é uma certa forma de comunidade, a qual é
constituída em vista de algum benefício de felicidade.
Como o ser humano vive dentro de comunidades,
ele cria um sistema de controlo, de padrões de conduta, regras e leis para que
possa viver em harmonia e estabilidade, dando e recebendo benefícios da
comunidade, tanto em sentido amplo como restrito. Com diz São Tomas de Aquino
“a lei é uma ordem da razão promulgada pelo chefe da comunidade, tendo em vista
o bem comum”.
Por conseguinte, para que essas regras possam
ter êxito, criam-se formas de sanção para quem viola as regras. As sanções
variam segundo o grau da gravidade. Vão desde a chamada atenção, ao isolamento
da comunidade, suplício, tortura e até pena da morte, sanções estas que foram “bem
aceites” antigamente, dentro das comunidades antigas e tradicionais. Essas
penas existem ainda hoje em qualquer lado do mundo e, no entanto, o mundo vai piorando
cada vez mais. Continua a haver falta de respeito pelos direitos naturais dos
seres humanos, pois a arrogância e arbitrariedade dos governantes e dos
dirigentes de algumas religiões, como também a indiferença de muitas pessoas
quanto aos direitos naturais continuam presentes nos comportamentos dos
organismos políticos e sociais e nos individuais.
A tortura, o tratamento desumano e degradante
são meios que alguns governantes utilizam para assegurarem o poder. Mas não
devemos esquecer que alguns governantes foram pagando pelas suas atrocidades. O
medo e o terror dentro das comunidades chegaram ao auge depois da segunda
guerra mundial.
Só depois deste conflito, a humanidade
percebeu que houve uma catástrofe, um holocausto que precisava de ser tratado,
de ser tomado em atenção para que se não repetisse. Daí nasceu a Organização
das Nações Unidas que implementou sistemas de protecção dos direitos
fundamentais do ser humano, ou seja, direitos naturais e inalienáveis. A
tortura, o tratamento desumano e degradante foram proibidos com a criação das
Nações Unidas. Que relevância tem isso tudo para Timor-Leste?
Este artigo vai tratar como nasceram os
direitos fundamentais, parte integrante para a consciencialização do respeito devido
ao ser humano e para a proibição de todo o tipo de actos que, pondo em causa
esse respeito, praticam a tortura, tratamento desumano e degradante da
dignidade da pessoa humana. Dedicaremos então algumas páginas à tortura e sua
evolução no mundo, incluindo Timor-Leste antes da invasão da Indonésia, no
tempo da guerra civil em 1975 entre os partidos políticos, durante a ocupação
ilegal da Indonésia (vamos dar mais enfase nessa parte) e também depois da Independência
à luz dos Sistemas de Protecção Universal dos Direitos Humanos e dos Sistemas de
Protecção Estadual dos Direitos Humanos, como por exemplo a Constituição e o
Código Penal de Timor-Leste.
Veremos também a impotência dos Sistemas da
Protecção Universal dos Direitos Humanos perante os interesses dos Estados
ditos poderosos, em relação com a violação dos direitos humanos e, em especial,
em relação à tortura, tratamento desumano e degradante em Timor-Leste. Neste
âmbito da tortura, tratamento desumano e degradante praticado no decurso da
guerra civil e da invasão da Indonésia, consideramos como base fundamental o
relatório “Chega” da Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação. Esta
comissão foi criada baseada no regulamento No.2001/10 da UNTAET. Começou a sua
função a partir 2002 e vigorou até 2005. A sua função era procurar a verdade da
História, dos crimes desde 1974 até 1999. Depois passou a ter uma missão
principal que era a reconciliação para crimes menos graves entre os timorenses.
II.
Direitos Humanos
Segundo
o Professor João Rosas, os direitos humanos nasceram precisamente depois da
segunda guerra mundial. Partilhamos a ideia do Professor. Vimos que essas duas grandes
guerras provocaram um sofrimento muito forte, um enorme choque para o mundo.
Algumas pessoas começam a ter consciência dos benefícios de um mundo de paz, de
respeito pelos direitos, liberdades e garantias, ou seja, do alcance dos
direitos civis e políticos. Estes tornam-se logo direitos humanos de primeira dimensão.
Podemos
perceber que a maior preocupação nessa altura era como assegurar uma política a
nível mundial que pudesse contribuir para a paz e estabilidade política mundial,
em vez da questão de direitos económicos, sociais e culturais.
Já
que falamos sobre a primeira dimensão dos direitos humanos. Salientamos também
aqui os direitos humanos da segunda geração. É consensual relacionar com as
constituições mexicana de 1917 e de Weimar de 1919 que prevêem os direitos
económicos, sociais e culturais como, por exemplo, educação e saúde, etc. A
terceira dimensão do direto nasce depois da segunda guerra mundial com uma
ideia de colectividade.
No
mundo académico há um consenso em relacionar os direitos fundamentais do ser
humano com o código da Hamurabi (3.800 AC) da antiga Mesopotâmia. Essa
codificação de Hamurabi é considerada como a primeira codificação que trata do
direito à vida, à propriedade, à honra, à dignidade, à família e à supremacia
das leis. Além dessa regra há também uma lei chamada a lei de 12 tábuas, leis
que estão escritas em 12 tábuas. Essas leis iam mais longe. Além de tratarem o
que havia no código de Hamurabi tratava também da igualdade entre todos os
cidadãos da comunidade. O princípio da igualdade, da liberdade e da protecção
dos direitos do cidadão começaram a ter importância nessa época com a referida
lei a ser praticada na sociedade.
A
idade medieval era considerada como idade de escuridão. O que, no nosso
pensamento, automaticamente nos apresenta tudo de negativo, terror e medo. Mas
foi nessa época que a Igreja Católica teve muita influência em todos os lugares
da humanidade e é precisamente por isso que a Igreja Católica é reconhecida
como contribuidora para a formação da definição dos direitos fundamentais.
Naquela
época a Igreja pretendia partilhar a ideia de direito natural pela qual o
individuo é valorizado como criatura por excelência de Deus. Todas as coisas
foram criadas por Deus e vêm de Deus. O Homem é criado por Deus segundo a Sua
imagem. No segundo livro de Santo Agostinho ele diz que o Homem, tendo sido
criado à imagem de Deus, ocupa o primeiro plano entre todas as criaturas. Os
direitos fundamentais são inalienáveis do ser humano. Vêm juntamente com o ser
humano na sua plenitude como filhos de Deus. Como diz o Decretum Gratiani, o
direito natural imutável veio à existência simultaneamente com a criação do
homem como ser racional. Segundo Santo Agostinho, o direito natural como a lei
eterna, enquanto razão ou vontade de Deus, assegura a conservação da ordem
natural e proíbe a sua perturbação. É interessante ele fazer uma pergunta como
esta: “Quem, senão Deus, inscreveu a lei natural no coração dos homens?” Enquanto
Santo Isidoro da Sevilha disse que “Todo o direito ou é direito divino ou
direito humano. O direito divino é baseado na natureza, o direito humano no
costume”. Daí que se considera o direito natural como direito que vem de Deus.
Nessa
época, a sociedade dividia-se em três classes de pessoas: o clero, a Igreja (Católica)
e o povo. O poder do clero prevaleceu mais do que as duas outras classes. O Estado
era visto como uma concepção divina. A fonte de todo o poder era de Deus. O rei
era divinizado e nada se lhe podia opor. Foi para limitar o poder arbitrário do
rei que a Carta Magna de 1215 surgiu. O rei foi obrigado pelas barões e igreja
católica a satisfazer certas exigências e a aceitar a limitação do seu poder.
Considerando
as limitações de que o poder político se foi revestindo, alguns autores
contrariavam a ideia de o direito natural ter sido instituído por Deus, como
ensinam os doutores da Igreja. Grocio deu um contributo muito importante para a
laicização do direito, dizendo que, mesmo que Deus não existisse, existiria o
direito natural. John Locke veio a dizer que os direitos naturais não dependiam
da cidadania nem das leis de um Estado, nem estavam necessariamente limitados a
um grupo étnico, cultural ou religioso em particular. Com essa afirmação
deduzimos que para o autor os direitos naturais são direitos universais,
ultrapassam qualquer barreira da raça, de língua, de cor, de continente e de
religião.
Estas
considerações apontam para que o ser humano, simplesmente pela sua natureza
humana, tenha os direitos naturais. Ou seja, para esses autores o direito
natural não é invenção de qualquer instituição religiosa nem de qualquer Estado.
São direitos que existem simplesmente pela natureza de se ser homem.
Nesse
sentido, o direito passou de uma concepção divina do direito natural para uma
concepção produzida pela razão humana, isto é, uma invenção humana. A razão humana
é o fundamento do Direito. Alguns autores consideram a Carta Magna como o
embrião dos Direitos Humanos.
Com
essa ideia da intervenção humana na concepção do Direito começaram a surgir declarações
de natureza jurídica que procuram proteger os direitos fundamentais do cidadão.
Destacam-se aqui como por exemplo o Habeas Corpus Act de 1679 e Bill of Right
de 1689 (Inglaterra), a Declaração da Virginia (EUA) de 1776 escrita por George
Mason, a Declaração da Independência dos EUA escrita por Thomas Jefferson, a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 da França. Todas estas
declarações contem afirmações que procuram respeitar os direitos fundamentais
do cidadão e procuram limitar o poder arbitrário que viola os direitos
fundamentais.
Mas só
entre 1945-1948 é que podemos falar concretamente sobre a preocupação para
procurar os verdadeiros mecanismos da protecção dos Direitos Humanos como
direitos universais de todo o cidadão do mundo. Essa preocupação nasceu
precisamente por causa da segunda guerra mundial de que resultaram milhares de
seres humanos mortos, vítimas da tortura e de tratamento cruel e desumano. Vendo
essa grande catástrofe da humanidade os autores começaram a ter consciência da
necessidade de se procurar como contribuir para a estabilidade e paz mundial, como
prevenir que outras catástrofes venham a acontecer nas gerações futuras.
Essa
consciência levou-os para a criação da Organização das Nações Unidas para
estabelecer e manter a paz mundial. A Organização das Nações Unidas foi criada
com Carta das Nações Unidas de 26 de Junho de 1945 e entrou em vigor no dia 24
de Outubro do mesmo ano. Daí que Assembleia Geral das Nações Unidas aprovasse em
9 de Dezembro de 1975 a Declaração sobre a Protecção de Todas as Pessoas contra
a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, com
resolução no número 3452 XXX.
Mais
tarde criou-se a Convenção Contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos
Cruéis, Desumanos ou Degradantes, com 33 artigos. Essa convenção foi adoptada pela
resolução 39/46 da Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 10 de Dezembro de
1984, e entrou em vigor no dia 26 de Jungo de 1987. Com base no artigo 17 dessa
convenção, um ano depois da sua entrada em vigor, foi criado também Comité
Contra Tortura no dia 1 de Janeiro de 1988.
Todos
estes sistemas de controlo foram criados para prevenir o mundo da guerra, da
tortura, do tratamento desumano e degradante. Mas, infelizmente, desde a
criação destes sistemas até hoje continua a existir guerra, tortura, tratamento
desumano e degradante. Vamos ver, no caso concreto, o problema da invasão de
Timor-Leste pelo seu vizinho gigante - a Indonésia. Além disso vamos ver também
um pouco da questão de actualidade para percebermos que às vezes, perante os
interesses dos EUA com os seus aliados, estes sistemas de protecção universal
dos Direitos Humanos não funcionam ou parece que estão impotentes.
III.
Tortura
1.
Aparecimento da Tortura
Na
história da humanidade, a tortura ou tratamento desumano e degradante, surgiu
como um dos meios para que os interessados num determinado objectivo o possam alcançar.
Assim, partilhamos a ideia de Alpiano, um jurista do século III que diz: “Por quaestio (tortura) devemos entender o
suplício e o sofrimento do corpo com o objectivo de se descobrir a verdade”, verdade
que, os que praticam esse acto, necessitam de saber a todo o custo[1].
Enquanto na página 109 do mesmo livro o autor refere também o uso da tortura
praticado pelas autoridades por motivos políticos.
Assistimos
à existência da tortura ou tratamento desumano e degradante em muitas
situações. Já é do conhecimento comum que, quando falamos sobre esses
procedimentos, estamos sempre a pensar automaticamente em relação aos Estados
com sistema tanto de república ditatorial como de monarquia absoluta. Em
qualquer um desses regimes não existe o respeito pelos direitos fundamentais do
cidadão, não existe a democracia nem liberdade de pensamento, não existe respeito
pelos direitos, liberdades e garantias como requisitos de um Estado de direito democrático.
Infelizmente, na realidade, existe também a tortura ou tratamento desumano e
degradante nos Estados ditos democráticos e, até, dentro de comunidades
religiosas praticado em nome de Deus.
Podemos
dizer que na base da tortura ou do tratamento desumano e degradante está o
interesse de as pessoas quererem assegurar a todo custo a satisfação dos seus
interesses, indiferentes à dignidade da pessoa humana. Um dos princípios
violados, é precisamente esse, além do direito à integridade física e do
direito à vida.
Desde
a antiguidade até hoje em dia há muitas formas de fazer tortura ou tratamento
desumano e degradante. Vimos em cima que um dos códigos mais antigos sobre a
proteção dos direitos fundamentais do cidadão era o código de Hamurabi. Este
código de Hamurabi comunga do princípio de dente por dente e olho por olho.
Porém,
não devemos esquecer que o mesmo código previa também as penas mais cruéis que
o mundo tem. Como por exemplo a amputação, ou seja, retirar um órgão do corpo e
até a pena da morte, como a conhecida Lei de Tailão. Era uma modalidade de
tortura aplicada nessa época.
Acontece
também que a lei de Moisés, embora considerando que Deus é amor, na realidade
também contempla a prática de tortura, tratamento cruel e desumano aplicado aos
crentes considerados pecadores que violam a lei de Moisés. O mesmo também se
verifica na religião muçulmana. Há sempre esse dualismo entre o bem e o mal,
entre o amor e a “vingança”; entre o respeito pela vida humana e a tortura. O
tratamento desumano e degradante tem sido praticado em todas as sociedades e ao
longo da história dos homens. O verdadeiro mestre de toda a história da humanidade
que veio ao mundo para contrariar esta lei antiga, foi Jesus. A lei de Jesus é
amor, perdão, respeito, etc. Ele ensina algo altamente contrário com o
pensamento comum das pessoas nessa época, dizendo “Se alguém te bater na tua
face direta, oferece-lhe também a outra”.
2. A
tortura, tratamento desumano e degradante, em Timor-Leste
2.1.
Antes da Invasão da Indonésia
O
primeiro artigo da Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura e Outras Penas
ou Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes, define o termo tortura como
“qualquer acto por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou
mentais são intencionalmente causados a uma pessoa com os fins de,
nomeadamente, obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissões, a
punir por um acto que ela ou uma terceira pessoa cometeu ou se suspeita que
tenha cometido, intimidar ou pressionar essa ou uma terceira pessoa, ou por
qualquer outro motivo baseado numa forma de discriminação, desde que essa dor
ou esses sofrimentos, sejam infligidos por um agente público ou qualquer outra
pessoa agindo a título pessoal, por sua instigação ou com o seu consentimento expresso
ou tácito”.
Em
Timor-Leste em tempo imemorial já existia tortura, tratamento desumano e
degradante. Visto por qualquer sociedade do mundo pode parecer muito atrasado, muito
pequeno sem grande civilização mas, como todas as outras grandes sociedades do
mundo, existe uma hierarquia de classes sociais. Em princípio, a tortura e
outros tratamentos desumanos e degradantes foram instituídos pela arrogância do
ser humano e pela estratificação das classes sociais dentro da comunidade. E
também, pela atrocidade dos governantes, foi aplicado ao povo, classe social inferior.
Na
sociedade antiga tradicional de Timor-Leste havia diferenças de classes. Como
acontece em qualquer lado do mundo, a classe mais baixa sofre muitas vezes torturas
e tratamento desumano e degradante. Em Timor-Leste existiram inúmeros casos.
Como exemplo vejamos o que o Capitão José S. Martinho escreveu no seu livro
intitulado Timor Quatro Séculos de
Colonização Portuguesa. Na página 222 o autor conta que “quando um
timorense praticava o simples roubo de um cabrito, cortavam-lhe a mão,
colocando-a junto da cabeça do cabrito, para manter em respeito a gatunagem
desenfreada.” Continuando, diz: “havia também castigos corporais”.
Por
costume, o corte da mão ou outra qualquer tortura, o tratamento desumano e
degradante só atingia a classe social baixa. A classe social alta era
intocável. Aplicava-se uma pena mais leve e condenava-se a falta de uma outra
maneira. À classe alta só eram aplicadas penas graves como tortura ou
tratamento desumano e até a pena da morte ou exclusão do reino quando era
atingido o poder político, traição ou para ascensão ao poder político de
governação do reino.
Quem
podia punir a classe social alta de Timor eram os governantes portugueses. Se
incluirmos também os portugueses numa classe social então podemos afirmar
seguramente que no tempo Timor-Português os portugueses estavam na classe
social mais alta, mais privilegiada, em relação com qualquer outra classe social
existente em Timor naquela altura. Se houvesse problemas entre os timorenses e
portugueses, então os portugueses eram intocáveis.
No
livro de René Pélisser intitulado Timor
em Guerra, na página 138, Pélisser também abordou o modo de punição decidido
pelo governante naquela altura: “Dois chefes, pelo menos, o liurai de Vemasse e
o chefe de Fatomaca, idosos e suspeitos de traição, serão submetidos à canga
(com pedras adicionadas para a tornar mais pesada) e chicoteadas….”.
Na sociedade antiga e tradicional de
Timor-Leste, havia vários tipos de tortura, tratamento desumano e degradante. Além
dos exemplos acima mencionados, aplicavam-se outras penas como, por exemplo,
ajoelhar em cima das pedrinhas um dia inteiro, e algumas repetidas por vários
dias, até sangrar, com os pés e as mãos amarados num buraco de um pau, aplicar
a amputação das mãos ou pés, cruxificar (atar num tronco durante alguns dias)
até desmaiar ou morrer, atar as mãos num tronco com a pessoa nua, atirando-se
depois para perto ou para cima da pessoa algumas especiarias para atrair as
formigas, mandar a pessoa ficar nos currais dos animais durante alguns dias, etc.
2.2.
Guerra Civil em 1975
Durante
o conflito entre os dois partidos políticos - UDT e Fretilin - verifica-se que
existia a tortura, tratamento desumano e degradante, aplicada pelos elementos e
lideranças desses dois partidos políticos.
Segundo
os lideres da UDT, Movimento Anti Comunista (MAC), a guerra civil começou com o
golpe no dia 11 de Agosto de 1975. Começou por atacar as bases da Fretilin. Foram
mortos elementos da Fretilin, designados por “inimigos”, depois de aprisionados,
espancados e maltratados cruelmente um pouco em todo o território de
Timor-Leste. Segundo relata o relatório “Chega”, relatório da Comissão
Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR), as violações mais comuns aplicadas
pela UDT eram espancamento, pontapés bofetadas e amarrações. A UDT também criou
centro detenções para torturar as pessoas suspeitas de serem membros da Fretilin,
como, por exemplo, o centro da detenção em Díli. Conta Xanana no relatório:
“Comunista”, era o próprio eco dos já incontrolados murros e pontapés que
faziam rodar o corpo de Sahe e… sob o silêncio do todos!”. Sahe era um dos
principais lideres da Fretilin. Xanana Gusmão, em várias ocasiões, admitiu que
Sahe foi o seu mestre.
Logo
depois do movimento da UDT, a Fretilin reagiu contra esse movimento no dia 15
de Agosto de 1975. Segundo esse relatório, a Fretilin praticou prisões
generalizadas. Com base no cálculo do Comité Internacional da Cruz Vermelha houve
cerca de 2.000 prisioneiros nos centros de detenção da Fretilin. O relatório
informa que as pessoas detidas encontravam-se em más condições sanitárias. Também
regista abusos físicos, tortura e outros tratamentos cruéis. Como exemplo citamos
dois exemplos de tortura por parte da Fretilin retirados do relatório Chega; “…
Mouzinho quase morreu do grave espancamento (que sofreu) quando se rendeu aos
soldados da Fretilin, em Baucau…; Chico Oliveira… perdeu a maioria da sua
capacidade de visão, devido a espancamentos graves”.
A
Fretilin não aplicou as torturas só aos elementos da UDT mas também aos seus
próprios elementos no momento em que começaram a surgir desentendimento entre
eles quanto ao modo de fazer a guerra contra a ocupação indonésia. Houve várias
acusações e desconfiança espalhadas entre eles que os fazia capturar e matar
uns aos outros. Por exemplo no relatório “Chega” também consta a prisão e a
tortura feita pela Fretilin ao seu próprio presidente, Francisco Xavier do Amaral. Ele foi queimado com metal quente.
Na
guerra civil, tanto UDT como a Fretilin aplicaram a tortura, tratamento
desumano e degradante contra os oponentes. As torturas e outros tratamentos
cruéis quase idênticos foram aplicados tanto pela UDT como pela Fretilin.
Espancamentos, pontapés, amarrações, bofetadas, murros, trabalho forçado, etc.
Durante
a guerra civil o relatório “Chega” informa as formas de maus tratos e tortura
por parte da UDT, da Fretilin e por parte da Indonésia.
As
formas de maus tratos e tortura por parte da UDT são os seguintes:
Ø
Espancamentos graves, com as mãos ou com espingardas, por um perpetrador
ou, por vezes, por um grupo de perpetradores.
Ø
Chicotadas.
Ø
Estar amarrado durante longos períodos de tempo, por vezes mais do que
uma semana.
Ø
Ameaças de morte.
Ø
Cortar a vítima com catanas, ou lâminas de barbear.
Ø
Bofetadas e pontapés.
Ø
Com cigarros acesos.
As
formas de maus tratos e tortura por parte da Fretilin são os seguintes:
Ø
Espancamentos graves, com as mãos ou com untensílios – entre os quais
espingarda, barra de ferro, paus de madeira, ramos espinhosos, bambu,
canas-da-índia, cabos de travão de automóvel, capacete, pilão, pregos, um pedaço
de arame farpado. Alguns presos foram espancados até à morte, ou até ficarem
inconscientes, cegos ou surdos.
Ø
Esfaqueamento.
Ø
Arrastar os presos pelo chão até ficarem cortados e a sangrar.
Ø
Despir os presos pelo chão até ficarem cortados e a sangrar.
Ø
Queimar a vítima com varas de ferro quentes, cigarros acesos ou pedaços
de madeira em chamas.
Ø
Amarrar as vítimas a uma árvore ou poste e deixá-las expostas ao sol
durante longos períodos de tempo.
Ø
Urinar sobre as vítimas.
Ø
Colocar as vítimas num buraco cheio de formigas.
Ø
Pontapear as vítimas com botas militares.
2.3.
A Invasão da Indonésia
A
tortura, o tratamento desumano e degradante mais grave na história de Timor,
foi com a invasão da Indonésia. Essa invasão, oficialmente aconteceu com a
entrada em Díli, capital de Timor-Português, pelas forças armadas da Indonésia
no dia 7 de Dezembro, data que hoje em dia, é assinalada em Timor-Leste como
dia da invasão da Indonésia.
A
invasão da Indonésia teve apoio dos EUA, Inglaterra e Austrália ou, segundo a expressão
do Professor Assunção no seu livro intitulado A Intervenção Humanitária no Direito Internacional Contemporâneo,
na página 783, que partilhamos, essa invasão teve a “aprovação tácita dos
Estados Unidos”. Logo depois da invasão de Timor-Leste pela Indonésia, a
Organização das Nações Unidas condenou, com aprovação por unanimidade do
Conselho de Segurança, a resolução 384 (entre outras) e apelou para a retirada
de imediato de todas as forças militares da Indonésia, mas esta resolução, como
outras, não teve nenhum efeito para Indonésia alterar o seu plano de ocupação.
Vimos claramente como foi a impotência, por razões de interesse dos EUA e seus
aliados, da resolução das Nações Unidas no caso de Timor-Leste.
Vimos
que enquanto os EUA se identificam como o maior mestre da democracia, da defesa
dos direitos humanos, da liberdade, do respeito pelos direitos fundamentais e
que procuram espalhar isso para outros povos, como, por exemplo, para o povo
árabe, asiático, africano, ao mesmo tempo este país poderoso ajudou a matar o
povo fraco e inocente de Timor-Leste. Nós até podemos dizer que no mundo há
sempre esse dualismo na linguagem dos governantes, como vimos em cima com o rei
Hamurabi, com a lei de Moisés e com a religião muçulmana.
Então
podemos dizer que na humanidade, os governantes, ao mesmo tempo que falam e
defendem a questão dos direitos fundamentais do ser humano, também aplicam a
tortura, o tratamento desumano e degradante. Existe uma ambivalência no
discurso dos governantes.
Durante
24 anos, os timorenses pró-Independência sofreram a tortura e outros
tratamentos desumanos e degradantes praticados pelos militares indonésios com a
“bênção” e permissão tácita dos EUA. Em público, os EUA condenavam as acções
brutais dos militares da Indonésia mas depois concederam formação aos militares
da Indonésia e fornecera, juntamente com a Inglaterra, os materiais da guerra
que levaram a uma catástrofe para o povo Maubere. Milhares de timorenses
morreram nas montanhas, vales, rios, ou foram mortos com armas fabricados e
doadas pelos EUA e também Inglaterra aos invasores indonésios, contribuindo
assim para que milhares de outros timorenses passassem pela tortura e sofressem
outros tratamentos desumanos e degradantes.
Há
pelo menos dois interesses dos EUA e seus aliados na invasão de Timor-Leste pela
Indonésia, país chefiado pelo seu presidente Soeharto e que era um dos maiores
aliados daquela potência americana.
O
primeiro interesse era assegurar o seu domínio no sudeste asiático, tendo em
consideração a perda do Vietname, e destruir, a todo o custo, a temível influência
dos comunistas em Timor-Leste, pois, conforme a imprensa do seu amigo da Indonésia,
havia perigo de se instalar o comunismo em Timor-Leste. Afinál Timor-Leste é
uma zona muito estratégica para os interesses dos EUA e seus aliados em relação
à segurança da sua zona marítima.
O segundo
interesse era a questão da riqueza de Timor, sobretudo a riqueza marítima e
petrolífera. Neste segundo interesse cabe perfeitamente a ideia da Austrália de
que era melhor negociar com Indonésia do que com Portugal ou o futuro
Timor-Leste independente. Não devemos esquecer também que as empresas
internacionais com ligações à Austrália e EUA é que ficaram e continuam a
explorar o petróleo e gás de Timor.
Algo
idêntico acontece também na actualidade. Vimos o que aconteceu no Médio Oriente.
Até hoje não há dados concretos sobre a existência de armas químicas e maciças.
Temos desconfiança de que a guerra contra o Iraque foi apenas para defender os
interesses dos EUA e seus aliados. Eram interesses partidários e comerciais para
assegurar o controlo do domínio do petróleo no Médio Oriente, assunto de
interesse para aquela potência e seus aliados. Esses interesses não olhavam à
injustiça e desumanidade que é a prática da tortura, tratamento desumano e
degradante. Tal indiferença e tais interesses económicos por certos produtos do
Médio Oriente levou à prática da violação dos Direitos Humanos pelos militares
ocidentais com a presunção de que em todas as guerras tal pode ou deve ocorrer.
Acontece que, às vezes, por interesse dos EUA, as informações não são
divulgadas.
Foi
isso que se verificou em Timor-Leste a partir de 1975 até 1991. Os massacres aconteceram
nas aldeias de Timor-Leste. Sem o mundo saber, porque Timor-Leste foi total e
propositadamente isolado para o mundo pelo governo invasor. As violações dos
Direitos Humanos no território até esse ano não saíram para fora, para o mundo
ver. Foi graças a Max Stahl, que consegiu filmar o massacre de Santa Cruz, que o
mundo acordou sobre a questão de Timor-Leste. A partir desse acontecimento
várias imprensas internacionais começaram a dar atenção às violações dos
Direitos Humanos cometidos pela Indonésia em Timor-Leste.
As
torturas, tratamentos desumanos e degradantes, aplicadas pelos militares
indonésios são múltiplas. Segundo o relatório de “Chega” as formas de maus
tratos e tortura por parte da Indonésia foram como seguem:
Ø
Espancamento com os punhos ou com utensílios, como um taco ou um ramo
de
madeira, uma barra de ferro, a coronha de uma espingarda, correntes, um
martelo, um cinto, cabos eléctricos.
Ø
Pontapés, geralmente com botas militares ou policiais, incluindo na
cabeça e na cara.
Ø
Socos e bofetadas.
Ø
Chicotadas.
Ø
Cortes com facas.
Ø
Cortes com lâminas de barbear.
Ø
Colocar os dedos dos pés de alguém debaixo da perna de uma cadeira ou
mesa
e depois fazer uma ou mais pessoas sentarem-se
em cima desta.
Ø
Queimar a carne das vítimas — incluindo os órgãos genitais — com
cigarros acesos ou com um isqueiro.
Ø
Dar choques eléctricos a
diferentes partes do corpo da vítima, incluindo os órgãos genitais.
Ø
Amarrar com força as mãos e pés
de alguém, ou amarrar a vítima e pendurá-la numa árvore ou num telhado.
Ø
Utilizar água de várias maneiras, entre outras manter a cabeça de uma
pessoa debaixo de água; manter uma vítima num tanque de água durante um período
prolongado, por vezes até três dias; ensopar e amaciar a pele de uma vítima em
água antes de a espancar; colocar a vítima num barril cheio de água e fazê-lo
rolar; despejar água muito quente ou muito fria em cima da vítima; despejar
água muito suja ou de esgotos por cima da vítima.
Ø
Assédio sexual, formas sexuais de tortura e maus-tratos ou violação na
prisão. As mulheres eram as principais vítimas deste tipo de abuso.
Ø
Cortar a orelha de uma vítima para marcá-la.
Ø
Amarrar a vítima atrás de um carro e obrigá-la a correr atrás dele, ou a
ser arrastada pelo chão.
Ø
Colocar lagartos com dentes e garras afiadas (lafaek rai maran) sobre a
vítima, incitando-os a morder diferentes partes do seu corpo.
Ø
Arrancar unhas dos pés e das mãos com um alicate.
Ø
Atropelar a vítima com uma motocicleta.
Ø
Obrigar uma vítima a beber a urina de um soldado ou a comer itens??? não
alimentares, como pequenos lagartos vivos ou um par de meias.
Ø
Deixar a vítima ao sol durante longos períodos de tempo.
Ø
Humilhar os presos em frente às suas comunidades, fazendo-as ficar nuas
ou andar nuas pela cidade, e ameaçar a vítima ou a sua família de morte ou
fazer mal a um familiar da vítima à frente da família
Segundo
o mesmo relatório, há outros exemplos de formas de tortura e tratamento cruel e
desumano que não foram muito relatadas, mas confirmam o padrão geral de abuso
sistemático e generalizado dos presos, incluindo:
•
Esfregar malaguetas nos olhos da vítima
•
Obrigar a vítima a varrer o chão com o corpo
•
Obrigar a vítima a transportar uma cabeça decapitada na sua aldeia
•
Espancar duas vítimas do sexo masculino amarradas juntas pelos órgãos genitais
•
Cortar a orelha da vítima e obrigá-la a comê-la
•
Amarrar a vítima dentro de um saco cheio de cobras
•
Embeber um grupo de prisioneiros com petróleo e ameaçar queimá-los vivos
Além
dos abusos físicos, segundo o relatório, os presos também foram sujeitos a
tortura mental e emocional e a um tratamento cruel, desumano e degradante,
aplicando, entre outros, os seguintes métodos:
•
Manter os prisioneiros presos detidos sem qualquer acesso à família e amigos.
•
Manter os prisioneiros em prisão solitária, ou em celas sem luz e com pouca
ventilação, durante longos períodos de tempo.
•
Conduzir um preso a um local utilizado em execuções extrajudiciais, levando a
vítima a pensar que ia ser morta, ao ponto de disparar na sua direcção.
•
Praticar abusos verbais e insultos.
•
Obrigar as vítimas a baterem umas nas outras.
•
Torturar um familiar da vítima numa sala adjacente para que esta ouvisse os
gritos, ou torturar ou ameaçar um familiar da vítima à frente dela.
•
Vendar os olhos ou colocar um tecido preto, um capacete ou um balde sobre a
cabeça da vítima, durante o interrogatório e a tortura.
•
Recorrer ao simbolismo para humilhar e vergar o ânimo da vítima, por exemplo,
obrigando-a a beber
água na qual fora mergulhada uma bandeira indonésia, escrevendo “eu sou
Fretilin” nas testas dos presos, fazendo os presos cantar conhecidas canções portuguesas
ou da Fretilin, ou, ao contrário, o Hino Nacional indonésio, obrigando-os a sentar-se
em cima da bandeira portuguesa ou da Fretilin, espancando um preso com uma
bandeira portuguesa ou da Fretilin, ou amarrando vítimas ao poste de uma
bandeira indonésia.
•
Insultar a religião de uma vítima, arrancando o seu crucifixo, ou amarrando a
vítima a
uma
cruz.
•
Cuspir sobre a vítima.
•
Privar a vítima de sono recorrendo a métodos como tocar música alto durante a
noite nos centros de detenção.
•
Despir os presos, homens e mulheres, e tocar nos seus órgãos genitais.
Durante
a ocupação ilegal da Indonésia, milhares de timorenses sofreram a tortura, o
tratamento desumano e degradante. Os dados contidos no relatório “Chega” ainda
não contêm todas as pessoas que sofreram durante essa ocupação, tão brutal, da
Indonésia em Timor-Leste. Por tudo isso que muitas pessoas registaram e
transmitem e pelas marcas que lhes vemos nos corpos conhecemos a história do dia-a-dia
desse período de desumanidades sofridas pelo povo timorense. Também o silêncio
diz muito de como sofreram os timorenses, da coragem e determinação que
revelaram para lutar por uma causa nobre. Os verdadeiros heróis não reclamam,
como Xanana e Taur Matan Ruak, porque para eles a guerra não é travada para
fazer inimigos. Para as grandes almas e corações como eles, a guerra é para
alcançar um objectivo. Atingido o objectivo, acabou tudo de mau que a guerra
criou. Tudo, e tudo mesmo, acabou. Abraçarmo-nos uns aos outros numa luta nova.
O desenvolvimento do país, como aconselhou Sua Excelência Presidente da
República há poucos dias, relativamente a um problema com um ex-chefe do movimento
pro-integracionista, em Cassa-Ainaro.
Timor-Leste
já tem heróis da resistência e agora? Será que Timor irá ter também heróis para
o desenvolvimento? Heróis para a defesa dos direitos humanos? Se pensarmos
assim, então, um novo caminho está a começar.
2.4.
Timor-Leste Independente
Baseado
na sua longa história, difícil e dolorosa, o povo timorense está consciente de
como construir um Estado de direito democrático baseando nos princípios
fundamentais, como o princípio da legalidade, do respeito pela Constituição,
leis, democracia, liberdade de expressão, Direitos Humanos, Direitos
Fundamentais do cidadão e no combate a todas as formas de tirania e opressão.
Podemos confirmar estes princípios orientadores da prática política e cívica, logo
no preambulo da Constituição da República Democrática de Timor-Leste.
Alem
de assegurar os princípios fundamentais de um Estado de direito democrático, a
Constituição também prevê, segundo o artigo 9 número 1, que “ A ordem jurídica
timorense adota os princípios de direito internacional geral e comum”, e o
número 2 diz que “ As normas constantes de convenções, tratados e acordos
internacionais vigoram na ordem jurídica interna mediante aprovação,
ratificação ou adesão pelos respetivos órgãos competentes e depois de
publicação no jornal oficial”.
Baseando
nesse artigo número 9, Timor-Leste, depois de se tornar independente e reconhecido
internacionalmente a partir de 20 de Maio de 2002, ratificou várias convenções
e tratados internacionais, como reconhecimento da validade no seu próprio ordenamento
jurídico interno, quanto aos Sistemas de Proteção Universal dos Direitos
Humanos. Começou logo com a Carta das Nações Unidas, com ratificação do
Parlamento Nacional de Timor-Leste no dia 20 de Maio de 2002 pela resolução do
Parlamento Nacional nº. 1/2002. Entre muitas outras disposições internacionais,
Timor-Leste também ratificou a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos
Cruéis, Desumanos ou Degradantes com resolução do Parlamento Nacional
nº.9/2003, dia 17 de Setembro. o Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos ratificado pela resolução do
Parlamento Nacional nº. 3/2003 de 22 de Julho Também ratificou o Protocolo
Opcional à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Cruéis,
Desumanos e Degradantes em Setembro de 2005.
Isso
mostra o compromisso por parte de Timor-Leste em respeitar os direitos humanos.
Em relação especificamente com a tortura e outros tratamentos desumanos, além
dessas convenções internacionais que prevêem essa proibição, respeita também
outras disposições internacionais, como: A Declaração Universal dos Direitos
Humanos prevê a proibição da tortura e qualquer tratamento desumano no seu
artigo Nº. 5. O Pacto dos Direitos Civis e Políticos prevê no seu artigo Nº. 7.
Timor-Leste
também tem na Constituição da República artigos que prevêem essa questão de
tortura e tratamentos desumanos nos artigos 25, Nº 5; 30 Nº 4; 34 Nº 4; 35 Nº 3
e foi aprovado também o Código Penal com Decreto-Lei Nº. 19/2009. O Código
Penal de Timor-Leste prevê a proibição da Tortura ou Outros Tratamentos Cruéis,
Degradantes ou Desumanos no artigo 167.
Isto
mostra que Timor-Leste está a assegurar bem a proibição da tortura e
tratamentos desumanos e degradantes, tanto pelo reconhecimento da validade da
juridicidade e pelo princípio supra legal (com recepção automática e imediata,
segundo o artigo 9 Nº 1, da Constituição, visto que a Constituição de
Timor-Leste é influenciada pela doutrina civilista de origem portuguesa), como
pelos Sistemas Universais da Protecção dos Direitos Humanos no ordenamento jurídico
interno. Também pelo Sistema de Protecção Estadual; pelo ordenamento jurídico
interno; pela Constituição e leis (Código Penal), obedecendo, assim, ao artigo
Nº. 2 da Convenção Contra a Tortura; pela Protecção dos Direitos Humanos
relativamente à proibição da tortura e a outros tratamentos desumanos.
Para
ter uma garantia da segurança da interpretação das leis sobre a tortura e o
tratamento desumano, a Constituição, pelo artigo 23, prevê que qualquer
interpretação deve ser em consonância com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos.
Com
a ratificação do Protocolo Opcional à Convenção Contra a Tortura e Outros
Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanas e Degradantes, Timor-Leste assume a
sua disponibilidade para que os órgãos independentes nacionais ou
internacionais possam visitar, livre e regularmente, os lugares onde as pessoas
são privadas da sua liberdade, para prevenir qualquer tipo da tortura ou
quaisquer outros tratamentos desumanos, baseando-se no seu artigo número 1.
O
Protocolo Opcional não tem poder de punição, não publica nenhum relatório ao
público. Ele simplesmente dá conselhos para o melhoramento das condições
prisionais. Visto que Timor-Leste é um país novo e que acabou de sair da guerra,
então os conselhos de uma organização internacional desse tipo é muito
fundamental na garantia e na promoção para o respeito dos Direitos Humanos no
país. Sobretudo quanto à relação com órgãos institucionais estatais, como a Polícia
Nacional de Timor Lorosa’e e a Direcção Nacional dos Serviços Prisionais e
Reinserção Social do Ministério de Justiça de Timor-Leste.
Human
Right Watch também tem essa preocupação nos seus relatórios sobre Timor-Leste
depois da independência. Revelando essa preocupação alertou para o respeito e o
melhoramento das questões dos Direitos Humanos nestas duas instituições governamentais.
A questão de tortura, tratamento desumano e
degradante é uma questão antiga. Uma questão que surgiu pela arrogância dos
seres humanos em relação com os seus próximos. Uma questão que surgiu por causa
da estratificação das classes sociais. Por isso, para manter segurança do
poder, segurança na governação e estabilidade, os governantes optam, um entre
vários outros meios, pela tortura. Tudo isto visa assegurar o interesse de quem
está no poder. Podemos, seguramente, dar como exemplo o caso de Timor-Leste
desde 1975 até a sua libertação da ocupação ilegal da Indonésia. Todo o mundo
soube que a invasão da Indonésia para Timor-Leste era ilegal. Houve várias
resoluções das Nações Unidas. Mas ninguém consegue travar essa invasão que leva
um desastre para a humanidade do século 19. As resoluções das Nações Unidas
eram impotentes; não tinham efeito.
Depois
da luta desigual, Timor-Leste nasceu como um país independente no mundo no
século 20. Timor-Leste aprendeu do passado. É por isso é que logo da sua
proclamação da Independência no dia 20 de Maio de 2002, Timor-Leste ratificou
muitas convenções internacionais como Sistemas Universais de Protecção dos
Direitos Humanos, que tem efeito automático e imediata segundo artigo 9 da
Constituição, no seu ordenamento jurídico interno para a protecção e o respeito
pela vida e pela dignidade humana, pelos direitos, liberdades e garantias,
democracia, direitos económicos, sociais e culturais para um verdadeiro estado
de direito democrático.
Mesmo
assim, como um país frágil que leva do passado vários problemas, Timor-Leste
precisa ter cuidado e procurar fazer grande esforço para garantir e promover o
respeito dos Direitos Humanos em Timor-Leste sobretudo em relação com atuação
das instituições do governo como por exemplo a Polícia e Serviço Prisional.
*Antigo estudante da Escola de
Direito da Universidade do Minho do Mestrado em Direitos Humanos. Iha interese
iha área sira hanesan Judisiáriu, Direito Internacional dos Direitos Humanos,
Direitos Fundamentais, Direito do Ambiente, Direitos Humanos e Biomedicina. Iha
relasaun di’ak ho Escola de Direito da Universidade do Minho. Agora daudaun
hanesan Professor da História, Cultura e Língua Timorense no História e Cultura
Portuguesa iha Instituto São João de Brito – Kasait, Likisa. Bele kontaktu iha
76094252.
Nota: O artigo
em homenagem ao meu avô paterno António Ferreira. Ele era um grande juiz
tradicional de Funar no seu tempo e além disso ajudou a população que recorreu
a ele para pagar impostos e libertou as pessoas sentenciadas pelo seu irmão à
pena da morte. Fez tudo isso porque era contra a tortura ou o tratamento
desumano e degradante na vida de outras pessoas. Ele foi um dos defensores dos
Direitos Humanos que conheci pessoalmente.
Comentários
Enviar um comentário